TRADUÇÃO:

ADAM MIZNER SOBRE AS DUAS PRIMEIRA ETAPAS DO TREINAMENTO


Primeiro, vem o alinhamento do esqueleto. Aprender os pontos básicos do alinhamento do esqueleto. Esses pontos sempre estão presentes no tai chi chuan, não importa qual postura você esteja fazendo. Seja fazendo as formas, empurrando com as mãos ou aprendendo a mecânica das aplicações, esses pontos continuam valendo. São o que chamamos de condições. Eu uso o termo condições para significar aquilo que você sempre mantém, e em cima dessas condições você aplica causas específicas para produzir efeitos diferentes. Mas as condições são mantidas.

Agora, em alguns exercícios que fazemos para melhorar o nosso tai chi chuan não aplicamos essas condições. Mas quando estamos de fato fazendo tai chi chuan, elas sempre se aplicam. Por isso precisamos tornar nosso corpo capaz de sustentar essas condições de organização do esqueleto. Esse deve ser o principal foco.

Os benefícios que você tem corrigindo 10% do seu alinhamento são gigantes. Muito maiores do que o que você aprenderia em 10 anos tentando contornar esses problemas. “Ah, mas eu tenho a tal técnica e tal truque que para compensar meu alinhamento de merda” não funciona. Funciona só em um nível muito raso e vai piorando com o tempo. Se você corrige os seus ossos, que são o núcleo da sua fisicalidade, é óbvio que as coisas vão melhorar. Isso é muito importante.

Então o primeiro estágio é tornar meu esqueleto organizado para podermos descontrair os tecidos o máximo possível. Todos entendemos que quando o esqueleto está numa postura esquisita, os músculos, tendões e o tecido conjuntivo vão se contrair mais do que o necessário, né?

A segunda parte é acessar o CHI. Se você não acessa o CHI você não pode descer o CHI, não pode mobilizar o CHI, não pode fazer nada interno. Acessar o Chi é YIDAO CHIDAO = onde YI chega, o CHI emerge. YI é quando uma atenção silenciosa e consciente satura o corpo. Então quando o YI satura o corpo, o CHI emerge do corpo.

E o CHI é do corpo. O CHI não vem do espaço, não vem da ursa maior. Não é absorvido das árvores. CHI é a energia magnética e bio-elétrica produzida pelo corpo. Não é algo que você absorve usando a imaginação [porque] não é imaginário. Praticando imaginação produzimos resultados imaginários. CHI faz parte da realidade. Sature o corpo de atenção, essa é a parte mais real da sua vida.

Se você acha que as outras partes da sua vida são mais reais, imagine trocar uma pela outra. “Ah, meu intelecto, minha imaginação” bom, mas e quanto você fica doente? Você não liga para mais nada, liga? Porque o corpo é importante. Então, sature sua atenção no corpo, isso é chamado YIDAO - o YI emerge dentro do corpo, por todas as células do corpo, e aí você acessa o CHI.

Agora, quando falamos de CHI estamos falando o CHI da prática. O CHI que é desenvolvido através da prática. Não o CHI que te mantem vivo, o da comida, o da respiração. Não o CHI “normal”. Não o CHI que se manipula na medicina chinesa. O CHI da prática é único, mas é dependente no CHI do seu corpo, da sua saúde e tudo mais. Ele chega baseado na interação entre a consciência e o corpo. Essa é a causa. Você deve entender isso e trabalhar isso. Se você não desenvolver isso você não poderá acessar o CHI.

Então, quando você não estiver praticando, eu fortemente recomendo que você pratique. Isso não significa que você precise estar fazendo coisas, mas que você tem que entrar. Eu sempre digo, vire a lanterna pro lado de dentro e entre. Interno quer dizer dentro, certo? Volte para dentro. Pare, só pare. Pare de olhar para as garotas, pare de olhar para o facebook, pare de assistir o filme, pare e volte para dentro. Só volte. E aí você se distrai e está fora de novo! Volta para dentro e está fora de novo. Volta para dentro… Essa é a prática. A prática escondida que você faz na sua vida normal.

Essa é a parte mais importante, sem ela você não consegue acessar o CHI e se você não consegue acessá-lo você não pode fazer nada com ele, e não pode fazer a parte interna. Você tem que vir para dentro. E quando ganhar prática em fazer isso você vai se dar conta o quão condicionado você está a ir para fora. Você quer ir para fora. Você é puxado para fora e você tem que voltar.

Agora, quanto mais você desenvolver seu corpo e mente mais agradável você torna seu corpo e mente. Quer dizer: o esqueleto está correto, os canais estão abertos, o corpo é um lugar maravilhoso de se estar e você quer ficar do lado de dentro. É natural ficar em bons lugares, é fácil. Mas em lugares fedidos e sujos, cocô de cachorro no chão, a temperatura congelando, você quer ir embora. Então por que você quer ir embora do seu corpo? Você é puxado para fora de si mesmo. Todo mundo é, puxado para fora de si mesmo. Por que você não consegue meditar? Por que você não consegue se voltar para dentro? Por que você não consegue ficar parado? Porque o lugar onde você está tentando ficar de boas é desagradável, cheira mal. Você pega e vai embora. A consciência é empurrada para fora porque você não quer ficar ali. Se você torna o lugar agradável, você naturalmente fica lá.

Então tem esses dois lados da prática. Um, aprenda a voltar, virar a luz para dentro, entrar e chegar. Dois, se torne um lugar melhor de se estar para que depois que você chegue seja fácil ficar. Então fazer o trabalho corporal, fazer o alongamento, treinar, seja o que for. Tentar viver uma vida que não te faça sentir culpado, isso ajuda. Você não quer ficar dentro e você porque você sabe que está podre. É a vida. Dê um jeito para que seja um lugar legal de ficar e você naturalmente vai ficar. Isso é absurdamente importante.

Você chega dentro e fica e o CHI da prática aparece para você, bum, lá está, agora você pode trabalhar com ele. Essas são as duas primeiras fases do treinamento.


NOTAS DE TRADUÇÃO

Nessa tradução eu optei for atenuar o tom de algumas colocações do Adam, em especial sobre o uso da imaginação nas práticas, porque achei uma didática agressiva demais para o meu estilo. Eu acho que para algumas pessoas a imaginação pode ser uma ferramenta na construção de um vínculo com as práticas e ideias novas. Não é à toa que é um recurso usado por vários tipos de tradições há tanto tempo.

Mas eu entendo o ponto ele está levantando. É muito importante que quem pratica artes internas saiba que a energia com a qual a gente trabalha é uma parada real e fisiológica, porque precisamos aprender a diferenciá-la dos efeitos somáticos que a imaginação produz, que podem ser imprevisíveis. Por exemplo, se imaginarmos com muita força quando usamos a visualização de “pendurar a cabeça em um gancho na parede” podemos começar a sentir um formigamento na nuca. Interpretar isso como algo positivo e se focar nessa sensação seria um erro, exatamente por esse motivo de estar associado à imaginação. Fazendo isso o que possivelmente aconteceria seria um acúmulo de energia na parte superior do corpo. Por isso é importante manter a mente acordada num estado de atenção observadora, como a de um pássaro.